terça-feira, 17 de novembro de 2009

Memórias dissolvidas em amor-dor

Foi uma traição que nos levou ao fim. Minha, que fique claro. Você chama de traição e eu digo que não. Que importa? Preciso me apaixonar toda hora. Sou um enorme monstro movido pela carência. Por isso meu ex-namorado, de quem eu realmente gostava, não quis mais saber de mim: não sou capaz de ficar com uma pessoa só. Consigo amar uma só pessoa e essa pessoa era ele, mas preciso de novidade constante. De­pois de quase quatro meses nos abandonamos. O que fazer? Tentar explicar? Não adianta, ninguém entenderia, nem eu. De repente, o amor da minha vida passou a se referir a mim como “a cilada”. Suspiro. Love is suicide.

Tinha duas opções: ou chorava, chorava e esperava passar, ou saia por aí me divertindo dentro do possível e comendo pessoas. Sentir algo que não seja dor é bom nessas horas. Talvez fumar maconha. Tivemos uma daquelas noites lindas e inesquecíveis chapados. Só que quando fumo maconha, todas as pessoas se tornam escrotas, seus poros aumentam, elas suam, e parecem caricaturas de si mesmas. Já perdi o tesão mais de uma vez por causa da marijuana. Cada um com os suas paranóias. O meu problema era achar alguém minimamente interessante, e não estou falando de sexo. Aquela história de comer pessoas é só um analgésico. Não era isso. Definitivamente, não quero isso.

Não adianta, não aprendo, não entendo que amor dói. Amor vai sempre doer. Passei a semana seguinte tentando fazer com que ele me escutasse. Todo dia fazia o trajeto para o trabalho dele ouvindo “Espumas ao vento” de Elza Soares. E a Elza Soares estarra qualquer falsa diva pop. Olha, não é por mal, mas essas donas que se acham divas deveriam lavar calça jeans no tanque durante o inverno. Lady Gaga deveria lavar lençol com sabão de coco. Sabe? Esfregar mancha em camisa branca e ainda ter que passar calça com pregas. Favor, descer do pedestal!

Pronto, falei! Cansei desse mundinho pop. Tudo é vaidade nesse mundo vão. Tudo é pop, é nada. Quem acredita nesse sonhos que eles vendem é porque já tem a alma morta. O mal da vida cabe nos seu braços e abraços.. Não me agradam esse homens bem fracionados no tempo, cedendo sempre amavelmente em todas as ocasiões. E mais, também não me agradam os partidários tão vários de toda a moderação. Todos perfeitamente de direita ou de esquerda. Tenho vontade de dar Adeus. Adeus, moderados. Adeus, que sou diferente: compreendo a mulher que rasga as roupas e sinto imensa ternura pelo homem desesperado.

Mas você me dá vontade de viver. Você não é como os outros. Como viver sem você? I Just can’t do this one more time. Desta vez as coisas foram diferentes. Não foi o seu cheiro inconfundível nem os lençóis que me oprimiam a cada vez que dormia sem você. Eu queria você em um beijo aberto e apaixonado sem memória e futuro. Prazer desintegrado no infinito amor de nossos corpos. Eu simplesmente não quero-sei mais viver sem você. Pro diabo se à minha frente tem uma cidade inteira com as pernas abertas. Passei uma longa e interminável semana tentando convencê-lo de que não era esse monstro. Interminável. demoras me corroem, quero tudo na hora. É nisso que dá ser filho único.

Eu lembro da primeira vez que te vi. Palpitações. Você vestia uma calça skiny e uma camisa da Madels. Lindo! E não parecia ter ficado duas horas na frente do espelho. Muito pelo contrário, parecia estar com aquela roupa há três dias. Magro. Lânguido. Descabelado e com o nariz empinadinho. Se eu soubesse desenhar um homem que não parecesse um bonequinho da forca, seria algo próximo a voce. Eu queria que você me entedesse, ouvisse: Eu gosto de você! Compreende? Eu tenho por você uma doidice... Falo, falo, nem sei o que, mas gosto de você. Eu pareço um louco? Mas que fazer para explicar isso? Eu procuro um jeito. Vive-se de palavras e é preciso que eu consiga exprimir, explicar, traduzir. Eu te amo, te amarei para sempre e quero ser seu.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

História(s) em um teatro

O que fiz para te afastar? A minha permanente ansiedade diante de situações novas e dos perigos de me perder? Essa marca no meu rosto, esta reveladora camada subcutânea de tensão, meu olhar agudo, aflito e incompleto? Talvez tenha sido o meu viver com essa eterna sensação de estar trafegando à beira de um abismo, como se eu não fosse sólido mas apenas um negativo de uma outra pessoa. Tive relações doentias que me arrastaram cruelmente e estéreis que foram à loucura. Você me deu os unicos hiatos de felicidade quando acreditei que o amor me recuperaria a um estado sonhado de ausência dor que nunca vivi em minha vida desperta, como se a peça que faltava em mim pudesse voltar ao seu local original e tudo ficaria bem. Mas ela não voltou. Eu tive voce e fomos felizes como nunca sonhei que duas pessoas pudessem ser mas já estava ferido o suficiente e vivia como se esse instante fosse acabar no momento que voce me descobrisse quem eu era, sem mais camadas entre o que eu me mostrava e quem eu achava que era. Perdi-te da forma que voce sempre me disse que seria a única forma possivel de perdê-lo: para mim mesmo. Sou como um erro que vive apesar dele, porque também somos aquilo que perdemos. Como quem confessa um crime te contei todos os meus pecados e você não pôde me perdoar. Seu olhar ausente, feito na medida do meu corpo. Mal nos conhecemos e já nos percebemos como pessoas que se encontram pelo caminho e não podem mais se separar. Mas nós nos deixamos, sem mal termos nos encontrado. Sinto uma dor por ter te perdido e com você esse sentimento que você me trouxe de uma outra era, que agora parece tão distante, era na qual ainda acreditava no amor. Mais do que te perder, perdi uma recém reinstaurada crença, que de tão jovem e já natimorta, penso que dessa vez pode ser para sempre. Um coração pode se partir e continuar batendo, mas como se dizer adeus a uma pessoa que você nunca imaginou ficar sem. Eu preciso ir até onde não possa mais ir. Sinto vontade de pedir, de implorar: Não vá ainda, eu tenho tempo, devore-me. Deforme-me até que eu fique feio, irreconhecivel e depois me ame em todas as minhas imperfeições. Mas foi tudo tão rápido e insólito que não tenho coragem. Acho que foi tudo um sonho só meu. Você, a única parte do mundo real que não me causava alergia. Mas não era real. Foi um sonho que inventei. Talvez porque precisasse. Talvez. O amor me dá a ilusão de jamais esquecer. Reter aquele instante para sempre. Mas você já vai embora. Me pergunto no que falhei. Não quero que você se vá tão cedo, mas não podemos pegar as pessoas para sacudi-las com força para que nos olhem. Não escrevo para te pedir que fique porque sei que não adiantaria. Também não quero nos transformar em arte usando de palavras cuidadosamente escolhidas. Nosso desencotro não é, não pode ser um quadro de parede. Ele jamais pode ser estetizado. São só cruas memórias que se dissolverão. Você se foi, se levantou promentendo voltar. Eu esperei com aquela esperança desesperançosa que você voltasse, mas seu olhar já tinha me avisado que você não voltaria. Ficou apenas esse chão onde estou, nesse exato tamanho, nenhuma aura a mais. Como quem desaba, não como quem acorda, me deparo com sua ausência, mergulho na sensação de não retorno, uma memória inútil me descrevendo imagens de alguns minutos atrás. O corpo exigindo o choro e eu me negando a esse direito. Essa brutalidade talvez faça sentido. Sou um rapaz ansioso e desagrádavel. Agora estou sozinho, exatamento como nos meus planos. Não lembro mais como era antes da dor, porque acho esse momento não existou. Ultimamente tenho afirmado que estar só é o que desejo, mas agora me soa mais falso que um jardim da Disney. Só fantasmas tem me visitado mas você me deu vontade de amar. Tudo poderia ser de outra forma, mas o tempo é irredimível. Adeus meu amor. Prometo que não vou chorar. Meu coração se partirá em mil pedaços antes que chore mais uma vez. As pessoas imprevistas não podem fazer parte do mundo real. Viva la vida.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Um encontro, poucas palavras e se afigura um pacto de laceração mútuo. Percebemos rapidamente que vamos repetir algo que já era sabido desde o início, vivido infinitas vezes antes por outros amantes/amores, mas que nunca houve antes dessa exata forma. O amor nunca teve embaixador mais adequado. Eu olho enviesadamente para seus olhos que me enviam mensagens silenciosas e ouço palavras bem explicadas com todas as vírgulas e exclamações nos seus devidos lugares, mas não quero ouvi-lo. Quero beijá-lo. Quero saber o que ocorre no centro do seu mundo. Quero saber se sente a dor da ausência da minha carne, da minha compleição úmida e da minha embriaguez natural. Amor e sexo são coisas que sempre afastaram as pessoas. O porquê disso nunca entendi. Todos nós temos nossas próprias definições dessas palavras. Vivo o hoje como se o amanhã não fosse chegar, mas ele chega e com ele repõem minha dor com todos os seus cristais e espinhos. Seus muros e murros. Vivo como uma sombra narrada por um idiota. Eu aceito o meu caos. Despedaço-me intimamente aos olhos de todos, mas não sei se ele me aceita. Sei que de sua boca saem palavras lindas, redondas e rebuscadas. Mas o que eu quero é o tremor que seu beijo provoca e suas palavras impensadas e ricas de uma inutilidade que só as coisas mais essenciais contem em substância. Peço-te um beijo e de repente, não sei por que, mas se torna tão difícil respirar. É uma sensação ardente, pesada achar que algo é esperado de voce e não saber o que é. É como ver sua vítima pendurada numa árvore. Só tenho dez dedos e quero abraçar todas as partes do seu corpo, mas não posso te salvar. Você não pode me beijar. Cada fuga sua esfaqueia a verdade e junto com ela minha recém instaurada constância se dissolve demonstrando sua fragilidade. Acho que nasci tarde demais. Nossos lábios ficaram tão próximos que nossos hálitos se abraçaram. O que você vai dizer quando chegar em casa? Algo te aflige, mas você não sabe o que é. Algo me diz para tomar cuidado com o amor. É vacilante e temporário. O seu amor é como um estômago gigante e eu apenas alimento. Devora-me com ânsia e depois de saciado me vomita. Você se vai e tudo se acaba em uma confusão de perfumes. Foi quando me senti só. Tome sua boca de volta. Obrigado pelo empréstimo. Porque os relacionamentos são sempre ambíguos e eu continuo falhando em me comunicar. Por que eu não sou o que sou e continuo a me culpar mesmo não tendo culpa. Porque cada fracasso me distanciou mais de mim mesmo e de você. Por todos esses motivos e outros ainda desconhecidos. Devo ir embora. Mas não posso. Não sei o caminho de saída.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Sinto que algo na vida sempre me escapa. Não tenho nada e ainda não sou exatamente nada. Alguém provisório, talvez. Há um cenário inteiro montado para o meu papel, e nele devo demonstrar felicidade, mas uma tensão escapa ao meu controle e me revela. Uma espécie de teatro se desenha no ar. Todas as máscaras que escolho parecem por demais frouxas. Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. É dificil perder-se. Não consigo me entregar ao abismo, mas não quero voltar a viver a mentira que sempre vivi. Preciso ter ao menos a sensação de ter algo sólido. Cansei de inventar amores e projetos que não se concretizarão. Uma sensação de um tempo parado, suspenso no ar. Durante minha vida tenho adiado. Vivo adiando o momento de colher os frutos podres que plantei. Mas eles me olham de espreita nas sombras e me dizem que não me deixarão. O tempo não tem pena de mim. Me engole cruel e esteril. I just don't know what to do with myself. Até que ponto até agora eu apenas inventei um destino, vivendo subterraneamente um outro? Do que eu fujo? Se te falar exatamente como sou te perderei? mas se não falar eu me perderei completamente, e por me perder te perderia. Me falta coragem. Se pudesse, abriria meu peito e te dava essa viscera podre para que voce desvendasse todos meus segredos. Deixaria ele sussurrar nos seus ouvidos tudo que não consigo, doido que ele está para dizer algo irrespondível, cheio de sílabas imcompreensiveis. Todos os labirintos sem saída. Toda a escuridão reposta e mais uma vez reposta pela dor. Resgate-me para uma época de inocência onde possamos viver sem o medo da entrega. Seremos o sonho que sonharmos. Don't break my heart baby. Eu não quero mais chorar.

terça-feira, 14 de abril de 2009

resposta

Não, não acredito em homens perfeitos e muito menos em príncipes. Não existe perfeição. Mas decidi despedir a lucidez. Não me dou mais a esse luxo de ser lúcido. Hoje sou eu que estou te livrando da verdade. Estou te pedindo o impossível. Acredita nessas minhas palavras. Segura minha mão, sinta esse meu peito todo fodido, ainda batendo. Não temos escolha. Nossos corações não param. Os filhos da puta nunca param de bater, de espancar nossos peitos, doidos para pular nas mãos de alguém. Sei sobre a bola de espinhos rasgando seu peito, sobre a confusão e a dor e a falta de ar e a perda de chão te deixando sem saber para onde ir, sobre os soluços e as lágrimas queimando teu rosto de menino e entrando na tua gola. Sei sobre nada mais importar, sobre o mundo ficar pequeno e perder o sentido. Já estive lá e sobrevivi. Sozinho, sem ninguém para me dar a mão. Você também vai sobreviver. É forte como eu, nada vai te deixar no chão. E se deixar, estarei aqui para te puxar para cima e te abraçar e te dar colo e te limpar as feridas. Estarei aqui para qualquer coisa, meu querido. O mundo pode cair explodir. Podem vir todos os Ets aniquiladores que Hollywood produziu e produzirá; nada vai me fazer sair do seu lado. Pode ser que um dia você vá embora, nunca se sabe para onde essa vida puta e louca quer nos levar. Não importa. Você existe. É suficiente para me deixar dormir em paz. Então vem meu querido. Vem descobrir que não há ninguém além de nós.
Você me fala, mostra e diz. Cospe em minha cara com sua saliva que não quer mais saber de sofrer. Sei que não quer mais um término por email. Eu nunca quis terminar. Sei o que há no fundo. Conheço com minha própria raiz. Era o que voce temia. Eu não: já estive lá. O amor é uma sombra.
Seus amigos te alertam. Foge dele! Inventam apelidos. Eles e os outros não sabem nada. São rasos. Estupram minha vida. Eu estou com você e estou perdido. Ok. Naquela hora você se entregou pra mim e ninguém nunca se entrega porque são todos cuzões demais e tem medo. Eu sou legal,moço. Volte para mim. Você não fugiu. Você veio correndo para mim. Acho que você se entregou porque me entreguei primeiro. No primeiro tiro joguei minha arma fora e levantei os braços. Eu me rendo. Venha aqui e me renda. Descobre minha alma e meu coração fodido. Não tem espaço para nenhuma cicatriz. Sobrevivo sem tudo. Sem amigos, sem carinho, mas não mais sem você. Eu te amo, porra!
Suporto suas festas, seus amigos. Garotos sem rosto. Milhares deles transbordando por todos os lugares. Todos os corpos oferecendo sorrisos e copos.
Uma das loiras sem gosto se aproxima. Uma loira nanica rosada com cara de estudante de enfermagem. Rosada. Parecida com um porquinho de pelúcia. Fofa, super fofa. Querida e com cara de burra. Ela me perguntou porque minha barba estava mal feita. Eu respondi que minhas gilettes e minha alma estavam gastas. Ela respondeu sorrindo um pouco menos.
Tinha a impressão que a festa inteira me encarava. Menos voce. Virei a quarta, quinta ou sexta dose e fui até a cozinha mantendo a postura para não desmoronar e virar uma pilha de ossos no chão. Cheguei aristocraticamente, como sei ser, e sentei na única cadeira vaga sorrindo.
Minha dor é interna. Não curte a pele, não estraga o corpo. A dor estava toda ali dentro. Meus olhos me delatam. Os olhos fundos, escuros demais. Dor de quem já viu tudo e não espera mais nada. De quem ficou sozinho a vida inteira encarcerado em si mesmo. Vinte sete anos de dor. Mas não se iluda baby, não estou seco. Tudo isto só aumenta o apetite por sentimentos. Não sou um bêbado sentimentalóide.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Persona

Dois, com certeza são dois. Me parece muito natural agora.

"I understand, all right. The hopeless dream of being - not seeming, but being. At every waking moment, alert. The gulf between what you are with others and what you are alone. The vertigo and the constant hunger to be exposed, to be seen through, perhaps even wiped out. Every inflection and every gesture a lie, every smile a grimace. Suicide? No, too vulgar. But you can refuse to move, refuse to talk, so that you don't have to lie. You can shut yourself in. Then you needn't play any parts or make wrong gestures. Or so you thought. But reality is diabolical. Your hiding place isn't watertight. Life trickles in from the outside, and you're forced to react. No one asks if it is true or false, if you're genuine or just a sham. Such things matter only in the theatre, and hardly there either. I understand why you don't speak, why you don't move, why you've created a part for yourself out of apathy. I understand. I admire. You should go on with this part until it is played out, until it loses interest for you. Then you can leave it, just as you've left your other parts one by one. " A médica para Elisabeth Vogler

terça-feira, 7 de abril de 2009

Feriado de semana santa. Aproveitei para fugir para minha casa no campo. Não, não é uma casinha nada bucólica como a aquela da canção de Elis. Não tem pau-a-pique e sapé nem carneiros e cabras pastando solenes. Pelo contrário. Seus banheiros parecem saídos da architetural digest. Sinto-me sujo neles. Todos os quartos parecem que foram feitos para saírem em fotos da Caras. Seus lençóis troussard me oprimem como o beijo de um devasso. Ok. Vou me adaptar, lógico. Trouxe tudo que preciso comigo. Rivotril, alguns livros e meu ipod. O resto fui jogando na mala sem preocupação. Qualquer coisa, tem a cidade vizinha que posso comprar algo caso precise. Chego no sítio-fazenda. Mesmo que Salvador esteja a 130 km, parece que ainda está do outro lado do rio.
Trouxe também na bagagem todas aquelas conversas no msn, idéias delirantes que não se deixaram transformar em carne, fato bruto da carne. corpos-palavras com seus silêncios eloquentes. Fujo de você porque sei que inevitavelmente repetiria meus padrões. Fundiria-me a você em uma bolha asséptica que construiria. Redoma de vidro, que ao invés de flor, guardaria carne podre. Sim, nos tornaríamos podres e abjetos. Somos filhos de pais loucos, carentes e degenerados. Nossas mãos brancas e finas não guardam traço de aspereza, mas nos sentimos iluminados. Encontramos todas as verdades que quisemos no silencioso mundo das letras. Como filhos dos mesmos pais, sinto como essa proximidade incestuosa às vezes te causava repugnância. Como voce nunca desejou ser penetrado por mim. Voce quis ser meu duplo, repetir minhas frases sofisticadas e eruditas. Sentir a eletricidade do meu pensamento. Acho que voce me fez te amar para se divertir. Me dissolveu como anágua de puta velha. Te amei em cada segundo. Amo em voce tudo o que dói. Não quero a beleza burra da juventude com seus corações de ervilha. Eu sou exótico. Gosto das coisas que me fogem a percepção. Não soube viver na dor da dúvida. Deixei voce da unica forma que me é possivel de se deixar alguém.
Todas as vezes que tento conversar com voce e me explicar ou esfregar na sua cara o quanto te amo tropeço nas palavras. Prendo a respiração quando estou tenso e os grotejos que saem das minhas cordas vocais ficam quase irreconheciveis pelo excesso de ar que sai da minha boca. Quanto mais minha fala fica incompreensivel, mais isso me angustia, num ciclo interminavel. Acabo deixando que voce preencha essas lacunas com suas cicatrizes. E agora? Estou bêbado. Mas não bebado de álcool, pois esse embriaguez me faria cantar. Estou bebado de uma embriaguez que me faz tremer. Tenho medo de amar voce.

terça-feira, 31 de março de 2009

Vejo aquele rosto familiar saindo do trabalho. Parece-me que nada nele mudou. Vejo-o caminhar em direção ao meu carro e entrar. Não sei se o cumprimento como amigo ou como amante. Pergunto se ele estava com a maconha prometida com uma voz engasgada pela timidez. Lógico que não estaria com ele. Ele não estaria no trabalho com a droga. Ele já deve estar acostumado com minhas perguntas tolas que sempre surgem quando não sei bem o que dizer. Só que na hora não penso nisso. Sinto-me apenas mais e mais tolo. Chegamos a minha casa e até a intimidade ser novamente restaurada precisamos passar por quase uma hora de conversas triviais em que não nos entendemos muito bem, entorpecidos que estávamos da maconha. Tropeço nas palavras e nas idéias e me sinto cada vez mais idiota. A cada instante que falo de mim mostro a fragilidade de minha construção de vida, minha fraqueza e inaptidão para a vida prática. Percebo que as construções dele são igualmente ou mais frágeis, mas nem assim consigo me sentir melhor. Estou tão tenso que não consigo desejá-lo. Masturbo-me todos os dias pensando nele e agora que o tenho ao alcance do meu beijo não consigo sentir nada. Ele então se deita ao meu lado e começa a aproximar o corpo do meu. O membro em febre. O cheiro inconfundível. Eu já tenho a resposta na ponta da língua para sair daquela situação quando chegar o momento: Eu quero muito, mas acho que isso não vai ser bom para nossa relação. Assim, pela primeira vez agiria com um pouco de lucidez. Depois de alguns minutos com os corpos quase se tocando e sua respiração cada vez mais próxima, deixo-me vencer e acaba meu ensaio de lucidez.
Fizemos sexo. Como sempre. Nunca resistia ao desejo que sentia por ele. Ele dizia que aquilo era só uma tara minha, mas nós dois sabíamos que era muito mais.
Eu queria que ele me emprestasse seu peito por aquela madrugada e me consolasse. Estávamos sóbrios quando ele pegou no meu pau. Por maior esforço que fizesse, não conseguia me lembrar da última vez que tivesse feito sexo sóbrio. Nesse dia só fumamos maconha que não me tira da "real". O fato de não estar sobre o efeito de lubrificante social do álcool me impediu de fazer as constatações que devia. Ele sempre vinha com aquele papo de que o que a gente fazia não estava certo. Fuder com outro cara tendo namorado é coisa de quem não ama e não tem coragem de assumir isso. Puta que pariu! Quando ele entenderia que temporalidades diferentes podiam conviver juntas? O que fazer com quem não vivia na temporalidade da monogamia? Porra! Sou amativo antes de tudo! O mundo que me condena. Mas ele me condenando doía mais. A tradição não passa do particular que se tornou hegemônico.
Naquele dia eu tinha acordado com decisões definitivas. Fui me arrumar e ao colocar distraidamente as roupas de baixo deixei as decisões junto com as roupas de dormir. Sobrou um pouco de enjôo do suco que o empregado insistia em fazer no liquidificador de temperos.
Sai de casa prestando atenção sem querer nas pessoas que caminhavam na rua. Um tipo de pessoa sempre me chama atenção. Aqueles que correm com pressa sem ter pressa de fato, como se o tempo não lhes fosse precioso. Quantas vezes eu também perco tanto tempo remoendo pequenos problemas? Às vezes tenho a impressão de que tudo sobra em mim e ao mesmo tempo não há nada. Quanto tempo perco dando essas explicações? Sou assim. Complexo, desconexo, contraditório e inseguro. É demais? Talvez! Quem quiser que pule fora.

domingo, 29 de março de 2009

Mais uma paixão. Como saber se ele será importante para mim ou se já sou descartável para ele. Paixões gestadas na internet, construídas com corpos-palavras. Palavras que adquirem poderes por esta nova condição. Cada espaço em branco, cada espera interminável para se obter uma resposta. As relações são fluidas e rompidas com a facilidade com que se deleta um contato do MSN. Amores abortados antes de serem concretizados. Para mim nunca funcionou assim. Acredito que ninguém vive uma paixão impunemente. Quando acaba, sempre existe alguém que ainda deseja. É sempre doloroso. Escondo-me dentro de minha redoma de vidro buscando me proteger. Não consigo mais acreditar no amor, apesar de ainda não conseguir viver sem ele. Uma terceira perna que me fornece um falso equilíbrio, mas que não consigo dispensá-la. Perdi minha inocência e não sei se a quero de volta. Sinto-me completamente só rodeado apenas por amores fluidos. Preciso me curar. Nunca acreditei que ninguém se curasse verdadeiramente de nada. Não dessas doenças do amor. Preciso dormir, mas nada me abandona. Nem a mim nem ao meu sono. Amanhã quem sabe.

quarta-feira, 25 de março de 2009

crônica irremediável

Reconheço-me em cada rosto servil que vejo. Rosto de quem é constantemente esmagado por uma completa inabilidade social. Nos outros reparam sempre no sexo ou no corpo musculoso. Em mim sempre olham para o meu defeito. A cada dia que passa minhas patas e antenas ganham substância. Minha metamorfose para uma barata como a de Kafka é lenta e dolorosa. Sinto cada fibra muscular humana que se rompe com uma explosão de dor dar lugar a cartilagem de inseto. Isolo-me dentro de minha redoma de vidro, onde minha dor é crônica e arrasadoramante suportável. O ar do mundo dos que vivem e se arriscam me parece demasiadamente sufocante. Sinto-me fora de uma roda que gira e me cuspiu desde que minhas primeiras máscaras se mostraram inadequadas. Quero me sentir parte de algo. Quero que meu grito seja ouvido. Alimento minha dor com essa egotrip que aqui escrevo e me engano com a sensação de isso me fará ser ouvido. Único consolo possível para quem abdicou de sonhar. Tenho nos olhos a desilusão daqueles que não esperam mais nada de nada nem de ninguém. Falo sobre coisas que ninguém quer ouvir. Todas as possibilidades de expressão me foram negadas. Todas as máscaras que escolhi não funcionam e soam por demasiado frouxas. O intelectual, o pobre menino rico, o revolucionário. Tentei em cada uma delas encontrar um eu que pudesse ser amado. Um pequeno monstro a procura de amor incondicional. O que acontece com pessoas como eu? Morrem sem deixar falta. Só que o pior não é isso. O pior é o caminho até essa morte.

Água Perrier

Hoje resolvi que tentaria entender a linguagem secreta das suas palavras.
A mim, sempre me pareceu, que ele vivia com um medo seu, congênito, do qual tirava força. Era uma presença incomoda desconcertante que sempre criava uma atmosfera de inquietação. Reagia a isso, com ansiedade crescente, que manifestava sob a forma de fulgurações narcisistas, intervenções inoportunas e enfrentamentos desproporcionais.
Na primeira vez que o vi, estava sentado num canto de parede, com um olhar blasé, no meio de uma festa, em que todos pareciam ter sido agarrados por um transe de felicidade. Sempre gostei de olhares blasés. Amei o profundamente nesse dia. Na sua camisa a estampa: fuck me now, love me later, mas suas retinas me diziam exatamente o oposto. Naquele momento me deixei enganar por seu descompasso com o resto da festa. Achei que aquilo era um ato voluntário de não querer participar daquele ambiente tão desinteressante. Não sabia que na verdade o que ele mais queria era fazer parte dessa roda que girava, mas que o tinha cuspido. Nunca gostei de pessoas muito planas. Aquelas pessoas que sempre estão felizes me parecem viver assim apenas por preguiça ou excesso de autocomplacência. Ele, não. Tinha algo de lindo e aniquilante.
Hoje, tentarei ver além do que essa forma insegura jamais me mostrou.
Não nos falamos ainda no dia daquela festa. Guardei daquela noite apenas essa impressão difusa que talvez se perdesse nos recônditos do meu inconsciente se ele não viesse atrás de mim. Chegou e me mostrou sua dor tão intensa e nua que não tive como não ser atingido por ela. Ele vivia assim em carne viva.
Tinha uma agenda com uma frase de Camille Claudel numa carta a Rodin. Talvez fosse a única finalidade para a qual destinasse a agenda. Não era do tipo que tivesse qualquer relação programada com a vida. Mas não era uma frase qualquer.

“Il a toujours
Quelque chose d’absente
Qui me tourmente”

Eu o amei ainda mais nesse dia.
Ele já fora considerado um dos melhores exemplares de sua época. Foi uma das primeiras coisas que me disse quando se aproximou de mim. Não era lindo, mas tinha uma beleza média que juntamente com outros atributos que ele não fez questão de me esconder, me fez parecer que aquilo fosse possível. Falava francês. Sempre achei sexy os falantes de francês com seus biquinhos e erres rascantes.
Depois de algum tempo sua presença absorvente e cansativa começou a me desestabilizar. Tudo precisava viver ao seu redor dele e da sua doença. Sei que não deve ser fácil, viver assim, com todos sabendo dos seus problemas. Mas parecia-me que ele tinha uma capacidade de percepção especialmente voltada para perceber uma tragicidade em tudo na vida e sofrer desmesuradamente com isso. Era um doce vampiro, perito em roubar a luz alheia. Sua boca aberta se lamentava ao mundo.
Suas amigas eram insuportáveis com seus risinhos pósmodernistas cheias de minicertezas e de verdades perfeitas. Era claro o fracasso dele refletido no rosto de cada um de seus poucos amigos e comecei a evitar aquelas presenças desagradáveis.
Depois, ele começou a me tratar com uma certa frieza como se tivesse acabado o encanto. Parecia que me desprezava ou talvez fosse eu próprio quem me desprezasse diante dos seus olhos. Não sei, mas parecia obvio que se mantinha ligado a mim por uma carência absurda e por um medo que o imobilizava e o deixava patinando em sua dor. Decidi deixá-lo quando ele começou a querer alimentar em mim a minha dor.
Ontem, entrei no meu MSN como de costume e todos estavam on line mas também como de costume, para mim eram todos invisíveis. Olhei minha caixa de mensagens e lá estava um email dele. Por uns segundos pensei em apagar sem nem mesmo lê-lo, mas como sempre minha curiosidade me impediu de fazer isso. Na mensagem ele dizia:
“Agora é a hora. Não existe outra. As coisas não são mais adiáveis. Tenho uma porção de coisas para te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente. Essas coisas, que de tão difíceis de serem ditas geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas. Te espero em minha casa amanhã. É meu último pedido.”
O email me desconcertou de uma forma que achei que ele não fosse mais capaz. The dream was over. What can I say? O que mais ele poderia querer? Não sou do tipo que gosta de flashbacks. Essa noite não dormi. Pensei com alguma lucidez em ligar para uma amiga e tentar racionalizar a situação, mas desisti por que já sabia sua opinião sobre ele. Aliás, todos meus amigos eram unânimes. Ele era daquele tipo de pessoa como um jogo de poker, sabe? Você deve sair antes que tenha perdido tudo. Meu ensaio de lucidez durou pouco e decidi encontrá-lo
Levantei da cama depois de perceber que não pregaria os olhos. Fui ao seu encontro e à medida que caminhava fui sendo tomado por um sentimento aniquilador de culpa. Decidi que tentaria então olhá-lo por trás dessa máscara sólida e arrasadora que eu havia colocado diante do seu rosto. No meio do caminho, em um daqueles acasos que às vezes me levam a crer na existência de uma ordem maior que rege as coisas, sintonizei meu ipod na música que tocava no seu carro quando fizemos sexo pela primeira vez e acabou se tornado nossa música. Agua Perrier de Adriana Calcanhoto. Aquilo me desarmou e me devolveu a um estado de mim mesmo que eu achava que havia se dissolvido pela própria natureza de ser fumaça. Amei-o como nunca neste instante. Decidi que não diria nada. Apenas entraria no quarto, o tomaria nos meus braços, o colocaria debaixo de minhas ancas e cuidaria dele como uma ama portuguesa.
Cheguei ao prédio e subi o elevador. De repente me veio na cabeça a idéia de que ele podia ter se matado. Afinal, porque depois de tanto tempo uma mensagem assim tão estranha? Cada segundo naquele elevador se tornava mais asfixiante e quando parei no andar dele parecia que ia vomitar. Andei pelo corredor e vi que a porta estava entreaberta. Ouvi de fora da casa sua voz e ele falava pelo telefone.
Encomendava flores e comida japonesa para o almoço que provavelmente seriam para mim. Ele sabia que eu adorava lírios e temakis. Sim, eu era como um daqueles adolescentes devoradores de temakis que tinham aderido à moda quase que onipresente. Ele devia estar prevendo que eu só chegaria para o almoço. Com minha obsessão pela ordem era fácil de ser antecipado.
Não, nada havia mudado. Eu sabia que se cruzasse aquela porta voltaria para um mundo de dor e desintegração psicológica que não suportaria. Toquei o elevador para fugir e ele não chegava. Ouvi passos vindos da casa e corri para a escada com medo de ser flagrado. Esperei na rua em frente até que chegasse o carro com as flores e depois o carro com o temaki. Esperei o rapaz que deposita o lixo do prédio descer provalvemente com o temaki e as flores no lixo. Esperei o caminhão de lixo recolher das latas aquilo que poderia ter sido a concretização do nosso retorno. Esperei. Esperei. Como tinha sido durante toda nossa vida juntos esperei por algo que nunca viria. Só que dessa vez estava de fora e doía tanto quanto de dentro. Peguei no sono e ouvi um estrondo absurdo e gritos na rua. Sai do carro com dificuldade por ter ficado tanto tempo parado. No chão estava aquele corpo que tanto amei desfigurado pela queda de doze andares. Amei-o dessa vez e não deixei mais de amá-lo por um segundo que fosse em minha vida.