quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

SLOW MOTION SUICIDE

Nenhum outro me serve, nenhum deles nunca me serviu. Tinha de ser você. E se não for, não será ninguém, nunca mais, porque eu vou morrer. Aguento toda a dor do mundo se ganhar junto um pouco de você, daquela sombra no seu rosto de nariz empinadinho, uma cortina semitransparente que se fecha sobre a face. Preciso de você, sei disso como algo brutalmente óbvio. Queria você agora, comigo, deitado em minha cama, no meu quarto abrindo os braços e dizendo com os olhos que é para eu te abraçar. Ai. Você não teve medo de se entregar. Naquela hora você se entregou para mim, e ninguém nunca mais se entregou porque são cuzões e tem medo. Diz por que eles têm medo? O que eu tenho? Eu sou legal, moço, eu sei ser legal, volte amanhã, por favor. Você não fugiu, veio correndo para mim. Acho que se entregou porque me entreguei primeiro. No primeiro tiro, joguei minha arma fora e levantei os braços. Eu me rendo. Vem aqui e tira a minha roupa e descobre meu corpo, me deixa sem cueca porque você gosta de me ter vestindo nada ao seu lado. Vem e descobre a minha alma e o meu coração coitado roxo que apanha tanto o tempo todo, meu coração é uma criança de rua, cheio de cicatrizes e chutes na cara. Fica comigo, me abraça, me ama? Não aguento mais ficar sozinho, não aguento mais ouvir não, sobrevivo sempre, mas não tem espaço para nenhuma cicatriz. Sobrevivo sempre, o tempo todo, sobrevivo sem amigos, sem nada, mas não sobrevivo sem você. Vem ficar comigo, fica comigo e nunca mais sai de perto de mim até ter vontade de sair, e quando for embora leva meu coração junto porque ele não serve para nada sem você. Ele sabia, ele sabia tudo. Ele foi embora com você, pulou nas suas mãos, tá sentindo ele bater? Eu te amo, porra.

Amo, amo,amo.

Então chegou o Baile. A esperança que você aparecesse. Odeio esperança, ela fode tudo. Eu sabia que você não viria. Eu, aquele homem difícil, ou apenas esquisito, tão interessante por escrito e aparentemente tão estúpido ao vivo, que gosta de literatura pesada, de becos sem saída, de agressões surdas, incomunicabilidades exasperantes e gaguejantes. Não, você não viria.

Uma grande festa idiota, vazia. Sabia que você não apareceria, tinha certeza, mas esperava que uma surpresa me salvasse. Sempre fui um idiota inimputável. Um gesto, um sorriso, tudo estaria perdoado e eu estaria salvo.

Mas você não apareceu.

Silêncio.

No meio do barulho, das pessoas, dos abraços e do suor, só havia o silêncio, como aquelas cenas de cinema em que tudo se move, mas o som não acompanha, para dar uma gravidade maior a cada movimento. De repente, um estalo, um pequeno ajuste de contornos que dá a nitidez da forma, como um míope que põe óculos e o mundo fica súbito cortante. De repente aquelas sombras adquiriram forma. Sombras escurecem o mundo sem ocupá-lo, duplos deformados, mas não eram mais sombras. Eram espelhos que me olhavam, um reflexo de meu caos, minha desordem. Não acredito que você não foi. Você sabia que eu estaria lá.

Não valho nada. Sou um lencinho que você usou para limpar as lágrimas, papelzinho amassado. Amor efêmero é meu rabo. Não era pra ser assim.

Ainda sei sofrer e sobreviver de uma forma que nem acredito. Sobrevivo a qualquer coisa. Mas não quero viver sem você, meu querido. Poderia se quisesse. Mas não quero. Prefiro morrer a viver com o seu fantasma, a sua fumaça de príncipe-sapo, de cultzinho perdido que virou pó no meio do deserto que é minha vida sem você. Amei-te com todas as forças que guardei durante a vida inteira. Mas minhas forças acabaram. Força nenhuma para nada. Poderia hibernar e guardar tudo de novo. Porque sou inesgotável. Mas não quero guardar para ninguém que não seja você. E você não me quer. Você não veio. Estou vazio. Nada faz sentido. Parece que fracassei. Sou a única pessoa que ainda morre de amor. Ninguém mais morre de amor, ninguém mais sente dor, estão entorpecidos pelo cimento, pelos amores fluidos, pelos sonhos de consumo. Estou morrendo de amor. Queria te dar a minha ultima lagrima, mas estou seca. Entupida. Não choro mais. Apenas apago, devagar. Slow motion suicide.

Enfim nos encontramos. Ele e o que sobrou de mim.

- Oi, que você tem?

- Cara, minha vida está em queda livre.

- Às vezes a gente precisa se perder para se encontrar.

Era como se estivesse conversando com um oraculo, com respostas randômicas. Comecei a ficar puto.

- Ah, vai se foder. Eu não preciso perder nada. Já perdi coisas demais. Eu só queria você. Eu amo você.

Aquele amo você saia ridículo aos lábios, como quem treina a entonação. Não podia haver falha alguma, mas agora o peso vazio da palavra gasta era nada diante da carne e do osso do amado que sorria com aquela proporção renascentista entre a boca e os olhos contrastando vivida com a sombra da ironia. Eu lembrava de todo aquele passado irrecuperável enumerado em itens.

- Viver é muito perigoso.

- Vá se foder com suas frases feitas. Parece uma coletânea de frases baratas.

- Você não entende, preciso de alguém normal, que não viva as coisas assim, tão em carne viva.

Fiquei mudo olhando para você. Mudo como um boneco inflável depois da agulhada, murchando.

E finalmente chorei.

- Me deixa chorar.

E você se foi.

Chorei. Chorei pelo meu amor perdido, pelos planos escoando para o esgoto, pela dor de ser abandonado mais uma vez. Senti uma espécie de falta de ar, tão poderosa que ainda hoje, pela mera lembrança parecia me sufocar. Chorei por ver o homem mais foda do mundo ter uma vidinha de merda simplesmente porque tem medo de tentar. Medo de falhar. Morria de medo e fingia se contentar com o futuro do pretérito. Na vida ele queria a doce permanência. Ele poderia, mas não fez. Poderia crescer indefinidamente mas não fez. Eu queria entrar nessa fortaleza em que ele se refugiou no ultimo minuto, uma visível couraça de defesa, mas intransponível para mim. Chorei sozinho sem ninguém para me abraçar e dizer que tudo ficaria bem. Eu sabia que não, que nada ficaria bem, nunca mais.

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