sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Pensando o México

Minha viagem ao México começou com uma visita ao Museu de Antropologia. Para entender a história do México e de seus vários povos no período pré-hispânico, nada melhor do que visitá-lo.

Eu tinha lido a recomendação de que ele deveria ser minha primeira visita no México, com um guia particular, e foi o que eu fiz. Visitando esse museu, ficou muito claro que no México convivem não só raças e línguas diferentes, mas também camadas históricas superpostas. As épocas ancestrais estão ainda vivas, mais do que no Brasil, por exemplo, e talvez menos do que no Peru. As feridas da história ainda minam sangue. É interessante perceber isso e como se manifesta de forma diferente nos outros países latino americanos, essas terras em transe de crescimento. Estou lendo um livro de Llosa agora, "o sonho do celta" que tem me ajudado a pensar melhor o Peru.

Antes de ir para o México procurei ler e assistir os melhores intépretes da “mexicanidade”: Octavio Paz, Luis Buñuel, María Novaro, Carlos Reygadas, Michael Rowe, Mariana Chenillo. Mas nada me preparou para a torrente de cores de Rivera, Orozco e Siquieiros; de aromas e sabores da culinária mexicana, do vestuário e das tradições pré-hispânicas que permanecem vivas; para as mais belas praias, emolduradas por ruinas maias, para Tulum, a ruina mais fotogência do México: pequenos templos e casas de patrícios de uma importante cidade portuária maia, que podem ser fotografados contra a água azul-bebê do Caribe.

Uma visita desconcertante foi à casa de Frida Kahlo; fiquei ainda mais encantado por ela. Retiro o que disse sobre a tragicidade da sua vida ter sido seu maior mérito artístico. Em um momento em que a cultura asteca era considerada primitiva, ela tinha uma coleção incrível de peças arqueológicas e reproduções de objetos astecas. Usava roupas tradicionais mexicanas e alimentava essa "mexicanidade" cheia de adornos, descuido e fausto. Ao mesmo tempo não se fechava para o mundo. A biblioteca dela estava conservada como foi deixada e tinham livros de arte do mundo inteiro, inclusive de escritores e pintores brasileiros. Ela foi uma figura e uma pintora incrível. A imagem de Frida que tinha na memória era aquela do filme de Julie Taymor, quando ela chegava em uma festa com Diego Rivera, como uma pintora que estava saindo com ele e se tornava o centro dos olhares, quando tomava a anfitriã pra dançar, depois de virar quase uma garrafa inteira de tequila. Essa imagem que transpirava vontade de viver e ao mesmo tempo sua obra tão cheia de tragicidade me intrigava. Ao visitar seu museu, sua casa, ver suas obras, senti algo da existência de Frida que me parecia intransferível, algo de particular e curiososo que a tirava da condição de mito. A Frida que não se entrega àquele que a contempla, mas áquele que nela é capaz de mergulhar. Sua obstinada e quase fanática vontade de ser. Tudo nela é impulso que se nega e se afirma em sua tragédia; enigma.

Comprei um livro de fotografia de uma das amantes dela, Tina Modoti, que me parece ser também uma pessoa interessante. Não consegui resistir àquela figura enigmática do filme Taymor. Sempre fui muito susceptível ao cinema.

Outra coisa que tomou meus olhares foi a relação de amor-ódio-subserviência-admiração com os EUA. Fui mergulhar em Cozumel e a ilha parece um quintal para os estadunidenses. Preços em dólares americanos, mexicanos arranhando em inglês, se esforçando para agradar os turistas e a arrogância estadunidense, que nem se preocupa em aprender um "por favor". Aquilo me chocou muito. Os mexicanos esmagados pelos higiêncios estadunidenses com suas verdades perfeitas. Eles que não defendem nada, a não ser uma exasperada vontade de ser, uma intimidade que se derrama, uma chaga que se mostra. Lembro-me de um texano que fez o passeio pra Cozumel comigo. Parecia que a vida não conseguia penetrar nele; tornava-se excrescente e corria paralela. Dono de não sabe quê segredo, guardado por uma aparência áspera e de precisões morais. Assombrou-me a segurança e a confiança diante das pessoas. Sua aparente alegria e conformidade com o mundo, por mais ameaçador que seja para o estadunidense agora. Lembrei-me de minha infância e adolescência em San Diego, aquele mundo estadunidense feito de precisão e eficácia que tanto me deslumbrava e assustava. Aquela máscara benevolente, atenta e deserta, que substitui a mobilidade dramática do mexicano, com suas máscaras tão bem elaboradas, seus gestos nítidos e sorrisos límpidos que fixam quase dolorosamente. Como diria Caetano: "Americanos têm olhos de brilho penetrante que vão fundo no que olham, mas não no próprio fundo".

As cores, os sabores, os odores do México são algo que não passam despercebidos. Sua indiferença diante da morte é o espelho da vida dos mexicanos. As festas no dia dos mortos são sedutoras. Caveiras de açucar ou de papel de seda, esqueletos coloridos de fogos de artifício. Suas representações populares, zombarias da vida. afirmação da insignificância humana e a devoção a Virgem de Guadalupe. Tudo tão lindamente contraditório.

Como disse Berkley: “ Sim, isto é muito bonito, mas não consigo compreendê-lo completamente”.

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