terça-feira, 31 de julho de 2007

Algo nesse exato átimo de segundo brota em mim. Sou um terreno fértil para todo o tipo de sementes. Não distingo o joio do trigo. Depois de colhido, olho para esse ser que sai de mim, e não o batizo. Deixo ele procurar terreno pelo mundo e que o dêem nome.

Agora vai ser diferente. Este tem algo de especial por vir de uma terra que já ia se tornando esteril na sua possibilidade de dar novas vidas. Dela não esperava mais nada, a não ser sustentar as velhas árvores retorcidas que definhavam e só olhavam para baixo. Os frutos podre de enxofre eram o que a alimentava e ao mesmo tempo envenenava.

Esse ser nasce sem esforço e sem dor. Tem vontade própria de vida e me arrasta consigo em uma cadência que se torna a minha até não ser mais possível se distinguir de quem é cada membro. Como um samurai cuja vida é tão éfemera quanto a da flor da cerejeira, seguimos juntos, com lealdade só ao ser que nos tornamos. Homem e seu fruto. Homem-fruto.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Despertar era o rito diário de entrada em uma vida para a qual não tinha nenhuma das habilidades mínimas para sobreviver. Todos pareciam ter aprendido tão facilmente, quase que naturalmente, esses passos. Viviam tão simplesmente como respiravam. Já em mim, tudo exigia tanto esforço e tanta dor. As coisas mais simples adquiriam um poder de mistério insondável.

Tinha me acostumado a atribuir tudo ao meu segredo. Quanto mais o guardava para mim, ele parecia se transformar em algo mais monstruoso e assustador, capaz de me descaracteririzar como ser humano diante dos outros se revelado. Esse segredo era sempre substituido por outro quando perdia o seu poder destruidor. Era a minha justificativa para o fracasso de viver.

Me jogava contra a vida que me atropelava a cada segundo impiedosamente. O tempo exercia sobre mim o seu poder devastador de tornar as dores suportáveis pelo simples fato de dar a elas a condição de um corpo sólido. Era como uma corcunda que a cada dia cresce um pouco, mas só se sente a dor de cada novo pedaço de carne que se soma ao todo. O corpo ia se tornando parte indissociável de minha existência e apenas lutava para não torna-lo maior. Livrar- me dele me parecia possível apenas nos sonhos mais distantes, aqueles nos quais deixava até de ser eu mesmo adquirindo uma outra forma. Neles eu precisava de um outro rosto. As máscaras que eu precisaria adquirir se tornavam tão gritantemente descoladas que não cabiam nesse ser que tinha me tornado.

Tinha chegado em um estado em que viver era mais uma preguiça de tomar alguma atitude do que qualquer outra coisa. O sofrimento final e destruidor de minha vida não chegava e vivia sempre colado ao medo de ele chegar. Num esforço psicológico tentava achar o marco incial para esse estado de vida, mas era um novelo tão grande e bem encorpado que nao conseguia achar nenhuma ponta. Tentava me enxergar de fora, mas me contentava com as respostas que recebia do olhar dos outros. Quando cruéis, eram como mais uma facada que me perfurava e por mais destruido que meu corpo tivesse, parecia que ele não conseguia encontrar um calo que o protegesse.

Resolvi não mais optar pelo sopro frio da escuridão. Quero bailar a vida.

domingo, 29 de julho de 2007

la primera es siempre la que funde los plomos

A dor me devolveu a um estado fundamental, sem nenhum intermédio entre mim e mim mesmo. Vejo elefantes de pernas delgadas e compridas. Gavetas projetando-se de pernas retorcidas. Imagens que se distorcem pela própria condição de serem fumaça.

Será que fui realmente devolvido? Alguma vez já estive aqui? O território me parece familiar. Sinto o odor da chuva caindo e corroendo as formas que rapidamente se transformam em outras sem terem no entanto a mínima semelhança com a forma original.

Percorro um corredor. Passo incontáveis vezes por uma cortina de pérolas. Adoro a sensação do ruído que surge com o meu andar e a sensação delas tocando o meu corpo.

Algo me remete às minhas primeiras memórias. Lembranças na cor sépia. Um universo de pensamentos, espelhos quase sem ressonância com o que refletem. Não me sinto seguro em afirmar se já estive aqui. Jamais se deve confiar na memória.

Corro, corro e corro. A sensação de deixar tudo para trás torna-se momentaneamente anestesiante. Apenas uma falsa verdade. Todavia nesse momento não suportaria ir até a raiz das coisas. Exausto, transito por um mundo que a cada passo se faz meu simplesmente pela dúvida de poder ter sido. Perco a força que me sustenta no chão e me firo. Jorra sangue de meu dedo sujo de lama que se mistura com a chuva formando algo em uma cor nunca antes vista pelas minhas retinas.

Perco o folêgo. Tenho contato com algo sublime e que sempre me parecera com minha idéia sagrada de reveleção. Agora sinto algo novo. Totalmente novo. Posso estar seguro disso. Algo que saiu de mim, da minha dor e da minha confusão.

Dessa ferida posso contemplar o porque de uma outra dor. Muita mais velha e intensa. Dor que se alojou na minha vida como uma terceira perna, mas que de repente deixou de funcionar como tal. Desabei em mim mesmo. Voltei para esse estado de natureza.

Não não não. O brilho do que me é revelado cega-me. Sinto qual uma mariposa em volta de uma lâmpada, mas não admito me deixar morrer por essa luz. As coisas muito claras e nítidas sempre me escaparam. A escuridão foi minha guia, como a um menino vendado por não suportar olhar para algo que não fosse confortavelmente doloroso. Uma dor crônica que não chega a matar mas parasila.

Agora vi o mais fundo que jamais suportei. Não posso seguir nem recuar.