
Aquela parte de mim que é só beleza reconheceu-se em você, que é beleza em todo o seu ser. Era lindo, mas sua maior beleza vinha de sua falta de certeza disso, um sobretom de beleza, a breve distância entre o que se é e a insegurança da própria imagem, esse toque aéreo. Franzia os olhos ao sorrir e era como se todo o seu rosto fosse sorriso. Não me dei conta de quando comecei a te amar. Às vezes, o amor é um sentimento sem escolha. Amo você como nunca amei ninguém antes. É um sentimento tão forte que tem que ser verdadeiro, entende? Sei que se refletisse com calma talvez achasse isso falso, mas não consigo refletir. Amo você e pronto. Você me deu tudo, por um segundo você me deu tudo. Eu amei a sua dor e adorava quando estávamos juntos, e eu a fazia desaparecer. Eu desapareço na pessoa que amo. Sou uma membrana permeável. Se amo, dou tudo: tempo, meu corpo, mas acho que projetei em você qualidades que você nunca cultivou em você mesmo. A gente inventa as coisas e depois elas se tornam necessárias. Mas isso não foi o motivo do fim porque te daria isso e até mais até ficar exausto e debilitado ao ponto de que a única forma de me recuperar seria me apaixonando por outro. O que nos levou ao fim foi um beijo roubado em uma pessoa sem importância, um gesto desesperado de alguém que se lança compulsivamente ao erro, para depois arrepender-se, até o último suspiro de vida. Foi sua aguda sensatez, você percebeu que não estou pronto e estou velho demais para não estar pronto e você velho demais para ignorar isso. Acho que sou como uma bela escultura, danificada de um jeito que só se percebe quando chega bem perto e você percebeu. Você via um circulo entre a gente e uma parte de você que não pertencia a ele. Uma parte obscura de você via esse circulo como uma jaula. A alma é uma pasta de sentimentos indigestos e sua recusa se converteu em um grito de Munch deformando o meu rosto. Mas não gritei e tentei me recompor. Esse desejo do último grito, o que enfim nos mata, mas me segurei, buscando amparo num abandono que se pretendia zen, mas que era de fato desistência. Eu errei, o mundo começa aqui - de novo. Senti uma espécie de falta de ar, tão poderosa que ainda hoje, pela mera lembrança, parecia me sufocar. Senti a absurda desproporção das coisas. Você conhecia minha fama de gostar apenas de agressões surdas, de aporias, de becos sem saídas, incomunicabilidades exasperantes e gaguejantes. O que recebi foi uma recusa de paixão, um precavido e cuidadoso recuo. Amei o seu desprezo, como se uma sombra descesse em sua alma, e ela ficasse assim mais bonita, eternizada na melancolia. Eu esperei por sua volta, mas foi irremediável. Você me disse que não tinha volta como quem diz alguma coisa brutalmente óbvia. Aquelas palavras que você despejou sobre mim desencadearam tudo. Esse corpo desajeitado e essa alma indócil, sempre desejando outro lugar que não esse em que está, não queria ouvir. Eu disse: “Não brinque com os sentimentos; você sabe o poder das palavras, que é esmagador.” Mas você despejou sobre mim uma sequência de nãos, um depois do outro, como quem arremessa sacos de cimento num pátio vazio. Podia-se ouvir o eco das pancadas. Pouco a pouco comecei a duvidar de mim mesmo. O motivo pelo qual você me deixou era somente porque não me amava mais. E isso está completamente fora do meu controle. A única coisa que me restava era desistir. Nosso amor se transformou em uma trincheira para você. Você me mandou procurar outros, mas no amor de nada valem os substitutos. Eu procuraria neles o que vivi com você. Algo insondável, todas as memórias e seus traços de lágrimas